Seis transformações na direção da sustentabilidade
Maurício Antônio Lopes – Pesquisador da Embrapa |
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Faltam boas métricas para definir a amplitude e a complexidade das mudanças em curso na sociedade. Essa ausência é o resultado da nossa excessiva fidelidade ao reducionismo, caracterizado, por sua vez, no tratamento de fenômenos complexos a partir das suas partes que, somadas, usualmente não explicam o comportamento do todo. É inegável que a ciência e as suas disciplinas — física, matemática, biologia, economia, sociologia etc. — e os domínios que usamos para descrever o nosso complexo planeta — atmosfera, litosfera, hidrosfera, biosfera, etc. — nos ajudaram a produzir conhecimento e progresso. No entanto, é também inegável que estamos esbarrando em problemas que não podem ser tratados apenas com métodos e estratégias convencionais. Por isso, em 2015, os líderes de 193 países aprovaram um ambicioso plano de promoção do desenvolvimento humano, desenhado para superar não só velhos e persistentes problemas, como fome, pobreza e exclusão, mas também novos desafios, como mudanças climáticas, consumo descontrolado e rupturas tecnológicas. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) acordados compõem uma ampla gama de temas de desenvolvimento social e econômico, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, mudança climática, recursos naturais, energia, produção e consumo, igualdade de gênero, dentre outros. Suas metas se complementam e se reforçam para evitar que o progresso em uma área não ocorra às custas de outra. Mas, passados mais de quatro anos do lançamento dessa agenda global de desenvolvimento, é fácil perceber que o reducionismo está por demais incrustado nos governos, nas empresas, nas agências de fomento, nas universidades, nos institutos de pesquisa e na sociedade civil. Ainda há muito o que avançar para que esses entes trabalhem de forma integrada e cooperativa para implementação dos ODS até 2030. Ciente dessa limitação, o Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA), um think tank na Áustria, reuniu pesquisadores e líderes globais numa plataforma denominada “O Mundo em 2050” (The World in 2050 em inglês, ou TWI 2050), para formular estratégias mais efetivas de implementação dos ODS até 2030, já antecipando desafios ainda mais complexos. Em 2018, o grupo apresentou à ONU suas conclusões, concordando que os ODS representam o melhor entendimento até agora alcançado sobre o futuro do planeta, mas argumentando que o custo de transação para sua implementação com foco em 17 objetivos é muito alto e já compromete o alcance de resultados. Por isso, propuseram seis transformações que poderão ajudar a humanidade a compor com maior rapidez o nexo científico, moral e político necessário para avançarmos com maior rapidez na direção da sustentabilidade. As transformações propostas compõem uma estrutura integrada de ação que reduz complexidade, agregando ODS relacionados para melhor operacionalização e acompanhamento dos avanços. A primeira transformação proposta (Capacidade Humana) se concentra na promoção da educação e na redução das desigualdades, defendendo que só a educação constrói competências, que, por sua vez, promovem o crescimento econômico, o trabalho decente e a eliminação da pobreza e da exclusão. A segunda transformação (Saúde e Bem-Estar) dependerá de investimentos na promoção da qualidade de vida, com efetiva coordenação de políticas de saúde, trabalho e indústria, além de vigorosa promoção de dietas e comportamentos saudáveis. A terceira transformação (Energia e Indústria) demanda acesso universal às modernas fontes de energia, à descarbonização do sistema energético e à redução da poluição do ar, da água e do solo, alinhando setores como energia, construção, transporte e meio ambiente. A quarta transformação (Alimento e Biosfera) demanda mudanças no uso dos recursos naturais para garantir acesso a alimentos nutritivos e água potável para todos, com mínimo impacto ao solo, água, ar, biodiversidade e oceanos. A quinta transformação (Cidades e Comunidades) se concentra nos ambientes urbanos, abrangendo cerca de 55% da humanidade e 70% da economia global, com avanços em conectividade, mobilidade, serviços e infraestrutura inteligentes, além de redução da pegada ambiental das cidades e comunidades. A sexta transformação (Revolução Digital) considera inovações e rupturas que poderão estimular ou ameaçar a implementação dos ODS, pedindo atenção aos padrões regulatórios, infraestrutura física e governança que reduzam riscos e capturem os benefícios da revolução digital para os ODS. Esta agenda é singular por fornecer uma visão inclusiva, integrada e mais factível de progresso sustentável, alinhando mudanças de natureza econômica, política, tecnológica e social. Trata-se de um ambicioso plano de promoção do desenvolvimento humano, essencial para superar modelos de desenvolvimento reducionistas ainda dominantes, embora incoerentes com o nosso tempo. Esse é um caminho para viabilizar o tão necessário alinhamento de esforços entre os domínios público e privado na sociedade. No setor empresarial, cresce a consciência de que a busca por soluções para os grandes desafios da sociedade é decisiva para o alcance de vantagens competitivas nos mercados. Além disso, a sofisticação da parceria do Estado com o setor produtivo é condição sine qua non para alcançarmos um modelo de desenvolvimento mais simbiótico e sustentável, que beneficie a sociedade de forma ampla e permanente. |