4 de fevereiro – Dia Mundial Contra o Câncer Novo estudo mostra que a meta da ONU de reduzir a mortalidade por câncer prematuro em um terço no Brasil até 2030 não deve ser atingida

Desigualdade no acesso à saúde é das principais barreiras para alcançar o objetivo

 

O Dia Mundial Contra o Câncer é uma iniciativa da Union for International Cancer Control (UICC), que teve origem em 4 de fevereiro de 2000, na Cúpula Mundial Contra o Câncer para o Novo Milênio em Paris. Os principais objetivos são aumentar a conscientização sobre o câncer, promover a educação sobre o câncer e pressionar governos e indivíduos em todo o mundo a tomar medidas contra a doença.

Câncer é a segunda causa mundial de morte e, segundo o Ministério da Saúde, será a primeira no Brasil a partir de 2030. Em 2020, quase 10 milhões de pessoas morreram como consequência da doença. Esses números devem aumentar para 16,3 milhões até 2040, segundo dados do Observatório Global do Câncer (GCO). Na esperança de mudar esse cenário, foi incluída nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) a meta 3.4, que sugere uma redução de um terço na mortalidade prematura (30-69 anos) por doenças crônicas não transmissíveis.

A dúvida é se será possível alcançar esta meta no Brasil. Um estudo publicado no dia 10 de janeiro deste ano na Frontiers in Oncology, avaliou os padrões geográficos e temporais na mortalidade por câncer prematuro no Brasil entre 2001 e 2015 para fazer uma projeção até 2030, a fim de comparar com a meta dos ODS. Segundo os pesquisadores, a previsão é de que, sim, a mortalidade prematura por câncer diminua no Brasil, mas a redução estará longe de atingir o ideal proposto pela ONU.

“Os números de incidência do câncer continuam a crescer, e, tão sério quanto isto, é que também aumentam as desigualdades de quem pode acessar os cuidados adequados para o controle da doença, cenário com aumento significativo nas chances de sobrevivência. A redução de mortalidade já é observada onde o acesso a tratamentos é adequado”, afirma a oncologista Angélica Nogueira Rodrigues.

Nos Estados Unidos, as taxas de mortalidade por câncer caíram em um terço desde 1991, com cerca de 3,8 milhões de mortes evitadas nesse período, de acordo com um estudo publicado no CA: A Cancer Journal for Clinicians, da Sociedade Americana de Câncer, no dia 12 de janeiro. Esse declínio se deve à prevenção, rastreamento, diagnóstico precoce e melhoria no tratamento de tumores comuns, incluindo câncer de pulmão e de mama.

No Brasil o cenário é diferente. Disparidades regionais marcantes e reduções de mortalidade prematura foram principalmente evidentes nas regiões Sul e Sudeste, as regiões mais ricas do Brasil, enquanto o Norte e o Nordeste – menos ricos – mostraram uma mistura de padrões resultando em uma redução mínima perante o desejado.

“O Sudeste provavelmente será a única região a atingir a meta dos ODS da ONU, e isso foi observado apenas para câncer de pulmão em homens”, diz o oncologista Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas e da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica). “O Brasil tem conseguido reduzir a prevalência do tabagismo por meio de várias políticas públicas, como aumento de preços, leis de áreas livres de tabaco, restrições de marketing, advertências e campanhas de cessação do tabagismo na mídia de massa e acesso a tratamento farmacológico nos serviços públicos de saúde e é provável que isso explique a redução esperada nos cânceres relacionados ao tabaco”, afirma Carlos Gil Ferreira.

As previsões mais favoráveis em homens são esperadas, além do câncer de pulmão, o de estômago, fígado e próstata e em mulheres para cânceres de boca e faringe, esôfago, fígado e colo do útero, mas mesmo para esses cânceres, as reduções projetadas estão muito abaixo de um terço que seria o alvo. O câncer colorretal se destaca, com expectativa de aumento da mortalidade em todas as regiões, tanto em homens quanto em mulheres, com exceção do Sudeste, onde se espera estabilidade.

Entre 2011-2015 e 2026-2030, é projetada uma redução nacional de 12,0% na taxa de mortalidade por idade por câncer prematuro entre os homens e uma redução de 4,6% entre as mulheres. Entre as regiões, houve uma variação de 2,8% entre as mulheres na região Norte a 14,7% entre os homens na região Sul.

No Brasil, Infecções por Papilomavírus Humano (HPV) é dos principais fatores de risco

O estudo revela que as taxas de mortalidade por câncer cervical, no Brasil, tendem a permanecer muito altas no Norte. As infecções são um dos principais fatores de risco potencialmente evitáveis para o câncer em muitos cenários, impulsionadas principalmente pela infecção por HPV. Segundo a oncologista Angélica Nogueira Rodrigues, o câncer do colo do útero é altamente evitável por meio da vacinação contra o HPV, triagem com Papanicolau ou teste de HPV. “Os exames de Papanicolau estão disponíveis gratuitamente no sistema público de saúde brasileiro, mas precisam ser oferecidos de maneira mais eficiente. Além disso, a aceitação é menor nas regiões mais pobres do país e entre aqueles com menor nível de escolaridade. No caso da vacina contra o HPV, que foi introduzida no Brasil em 2014, a cobertura ainda é baixa e apenas 58,4% das meninas elegíveis estão totalmente vacinadas”, afirma.

Segundo os autores do estudo, o exame de Papanicolau, o teste de HPV e a vacinação contra o HPV são medidas eficientes e de baixo custo para evitar o câncer do colo do útero e precisam ser reforçadas nas regiões com maiores taxas de mortalidade (Norte e Nordeste), combinadas com a melhoria do acesso ao sistema público de saúde para tratamento de lesões pré-cancerosas. Os esforços para melhorar as taxas de cobertura vacinal podem ter um impacto significativo na redução da carga de doenças nos próximos anos.

Sobre Dra. Angélica Nogueira-Rodrigues

Angélica Nogueira-Rodrigues é MD-PhD em oncologia clínica. Possui pós doutorado em oncologia pelo MGH/Harvard University, Doutorado em Oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer, Mestrado em Saúde da Mulher pela Universidade Federal de Minas Gerais. Possui Fellow em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer. Pesquisadora e professora adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG. Desenvolve atividades didáticas na graduação, residência médica em Oncologia e pós graduação senso stricto. Idealizadora, membro fundadora do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA). Diretora SBOC nacional gestão 19-20 e 21-23. Chair Gynecologic Oncology LACOG. Membro permanente da Câmara Técnica de Medicamento – CATEME-ANVISA. Idealizadora do Movimento Brasil sem Câncer do Colo do Útero. Membro câmara técnica Ministério da Saúde para estratégias de eliminação do câncer do colo do útero.

Sobre Dr. Carlos Gil Ferreira

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1992) e doutorado em Oncologia Experimental – Free University of Amsterdam (2001). Foi pesquisador Sênior da Coordenação de Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) entre 2002 e 2015, onde exerceu as seguintes atividades: Chefe da Divisão de Pesquisa Clínica, Chefe do Programa Científico de Pesquisa Clínica, Idealizador e Pesquisador Principal do Banco Nacional de Tumores e DNA (BNT), Coordenador da Rede Nacional de Desenvolvimento de Fármacos Anticâncer (REDEFAC/SCTIE/MS) e Coordenador da Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Câncer (RNPCC/SCTIE/MS). Desde 2018 é Presidente do Instituto Oncoclínicas e Diretor Científico do Grupo Oncoclínicas. No âmbito nacional e internacional foi Membro Titular da Comissão Científica (CCVISA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No âmbito internacional é membro do Board, Career Development and Fellowship Committee e do Bylaws Committee da International Association for the Research and Treatment of Lung Cancer (IALSC); Diretor no Brasil da International Network for Cancer Treatment and Research (INCTR); Membro do Board da Americas Health Foundation (AHF). Editor do Livro Oncologia Molecular (ganhador do Prêmio Jabuti em 2005) e Editor Geral da Série Câncer da Editora Atheneu. Já publicou mais de 120 artigos em revistas internacionais. Em 2020, recebeu o Partners in Progress Award da American Society of Clinical Oncology. Presidente Eleito da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica para o período 2023-2025.

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