História do samba no popular brasileiro

A partir desta edição, em período momino, o jornalista e Historiador Zelito Magalhães dá início a uma série de reportagens sobre a nossa música, a começar “pelo o telefone”, da autoria de Ernesto dos Santos (Donga) e mauro de almeida. Considerando o primeiro samba brasileiro, foi gravado pela Odeon em 1917, composição que se transformaria no marco inicial da história fonográfica do gênero. O Jornal do Comércio do Ceará ao brindar seus leitores com o presente trabalho de pesquisa, coloca-se à disposição para quaisquer informações a seu respeito.

Texto: e pesquisa: Zelito Magalhães   

 

Pelo Telefone

Nos idos de 1916, um grupo de amantes da música reunia-se na casa da baiana Tia Ciata, na Praça Onze, onde se extravasava o melhor do gênero: o batuque. Pontificavam como figuras centrais: João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, o Sinhô e o sambista Ernesto dos Santos (Donga) Hilário Jovino, dentre outros. Com a parceria de João da Baiana, criou-se originalmente a  melodia de uma composição que foi intitulada de Roceiro. O Jornal do Brasil, edição de 4 de fevereiro de 1917, trouxe uma nota do Grêmio Fala Gente, em que dizia: “O verdadeiro tango Pelo Telefone, da autoria de João da Mata, Germano,Tia Ciata e Hilário e será na Avenida Rio Branco, dedicado ao bom e lembrado amigo Mauro”.

Tratava-se de Mauro de Almeida que fazia dupla com Donga, no samba Pelo Telefone, e seria cantado no Carnaval daquele ano. Era esta a letra original da composição: O chefe da folia/ Pelo telefone/ Mandou me avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/ Para se jogar…  Segundo depoimento de Donga para o Museu da Imageme do Som, “O Chefe da Polícia… foi uma paródia feita por jornalistas de A Noite.Em 1913,haviam colocado uma roleta no Largo da Carioca para mostrar a tolerância da polícia com o jogo. O apresentador e pesquisador musical Henrique Fóreis Domingues, Almirante, em matéria do O Dia, em 13 de fevereiro de 1972, também confirma a versão: O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar/ Que na carioca tem uma roleta para se jogar/ Ai, ai, ai/ Deixa as mágoas para trás ó rapaz/ Ai, ai, ai/ Fica triste Se és capaz e verás(…) .

 

Outros sambas antes de Pelo Telefone

Historiadores registraram em suas pesquisas gravações anteriores que podem ser reconhecidas como samba e que comprovadamente foram gravadas antes da composição assinada pela dupla Donga/Mauro de

Almeida. A gravadora Odeon, por exemplo, que registrou o chamado “samba pioneiro”, antes dele já havia gravado, na série lançada entre 1912 e 1914, Descascando o Pessoal e Urubu Malandro, classificados como sambas no próprio catálogo de fábrica, Na série de 1912 a 1915 consta A Viola está Magoada, de Catulo da Paixão Cearense e interpretada por Bahiano e Júlia Martins, além de Moleque Vagabudo, de Lourival Carvalho, também identificados como samba. Pelo Telefone foi registrado sob o número de série 121313. Mais de dez sambas foram registrados antes dele; assim, não se pode concluir com certeza qual foi o primeiro samba realmente gravado.

 

Os sambistas depois de 1917

Com o êxito da gravação de Pelo Telefone, grande número de compositores e intérpretes passou a se interessar pelo gênero e outras gravações em discos surgiram destacando a novidade. As estrelas da Casa Édson não ficaram alheias e depois de Bahiano ser o pioneiro, Eduardo das Neves gravou a seguir o samba carnavalesco de Freire Júnior Desabafo Carnavalesco. Cadete, Nozinho e Mário Pinheiro (este era também o locutor que se ouvia nas velhas gravações que se anunciava: “Casa Edson, Rio de Janeiro”) aparecem nos catálogos com menos frequência que Bahiano, mas aderem imediatamente. Em pouco tempo, surgiram outros sambistas, dando chance também ao aparecimento de novos intérpretes.

Os Geraldos, dupla de cançonetistas que, depois do êxito no Rio de Janeiro, acaba por se fixar em Portugal, usam o palco para divulgar o novo ritmo, chegando Geraldo Magalhães  (que formou a dupla com várias parceiras) a gravar Samba Bahiano, de sua autoria, e Iaiá Me Diga, de Raul Moraes. Levam ao disco a mesma Iaiá me Diga, A Baianada, Samba Africano, Nhá Maruca Foi S’Imbora e Nhá Moça. É de se que, em 1916, Os Geraldos foram o destaque do Carnaval com a versão de Minha Caraboo, estranha canção norte-americana, composta por um jamaicano e vertida para o português por Alfredo Albuquerque.

O primeiro sucesso de Sinhô é o samba Quem são Eles?, de 1918, que inicia a polêmica com os  frequentadores da casa de Tia Ciata. China e Hilário Jovino revidam com os Sambas Já Te Digo e Não És Tão Falado. O samba começa a ganhar popularidade e Sinhô vai em sua esteira, lançando

em 1920 Fala, Meu Louro, gravado por Bahiano e depois por um cantor que iniciava a carreira em circo de subúrbios chamado Francisco Alves. José Luiz de Moraes, que se tornou famoso como o sambista Caninha, “estoura” no Carnaval de 1921 com o samba Essa Nega Qué me Dá, também gravado por Bahiano. São Paulo passa a influir no Carnaval carioca (ao menos no estilo) e o “samba à moda Paulista”Tatu Subiu no Pau, de Eduardo Souto, é o maior sucesso em 1923.

As marcham dominavam o Carnaval de 1924, mas o que ganhou as preferências foi o samba de Luiz Nunes Sampaio, Casaco de Mulata é de Prestação. No mesmo ano, Caninha volta a fazer sucesso, recebendo um prêmio de trezentos mil réis em um concurso carnavalesco com a composição de sua autoria, initulada Rosinha. Donga, que andava um tanto esquecido, junta-se ao compositor De Chocolate e volta a se projetar como criador de sambas, lançando Nosso Ranchinho que foi gravada pela Odeon. Heitor dos `Prazeres – que nunca deixara de estar na linha de frente – marca presença com o futuro clássico Deixa a Malandragem Se És Capaz.

A fase pioneira estava chegando ao final com a implantação do sistema elétrico de gravação (1927) que daí para a frente daria impulso definitivo ao samba.

 

A profissão de cantor

Não fora a introdução do fonógrafo no Brasil, talvez a carreira de um dos mais celebrados intérpretes da música popular brasileira tivesse se perdido. Mas foi o fonógrafo  o responsável por ser possível avaliar a obra do cantor Bahiano, logo após a implantação do aparelho no Brasil.

Quando em 1903 Fred Figner, o proprietário da Casa Edson, fez editar o primeiro catálogo comercial de discos de sua fábrica, quem encabeçava a lista das primeiras 73 gravações era exatamente Bahiano, por ele contratado – junto com Cadete, outro intérprete popular – para ser o primeiro a gravar comercialmente no Brasil. Nascido em 5 de dezembro de 1887, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, Manuel Pedro dos Santos, que viveria no Rio de Janeiro até sua morte em 15 de julho de 1944, ganhou fama ao se tornar cançonetista com o apelido de Bahiano.

Especializado em modinhas e lundus, que cantava ao violão, Teve a chance de se tornar conhecido e ganhar lugar definitivo na história da MPB e do samba em particular, ao gravar para a Casa Edison, em 1917, o citado Pelo Telefone Primeiro cantor a se profissionalizar no Brasil, gravou também o primeiro disco, que substituiu os cilindros, como de hábito na época, em apenas uma das faces. Esse registro foi feito como lundu de Xisto Bahia, Isto É Bom, no selo  Zon-O-Phone nº 10.000. Fez sucesso até meados dos anos  20, gravando composições consideradas clássicas entre as centenas de sua discografia. A modinha Perdão Emília, de Eduardo das Neves, o tango As Laranhas da Sabina, de Arthur de Azevedo, e a toada Cabocla de Caxangá, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, são exemplos A influência dos Nordestinos.

No ano de 1922, desembarcavam no Rio de Janeiro os Turunas Pernambucanos. Financiado pelo mecenas Arnaldo Guinle, viaja por vários estados recolhendo temas e achegas folclóricas, um trabalho do qual participou também o músico Pixinguinha, com quem já trocava informações musicais.

A dupla Jararaca e Ratinho também fez parte do grupo que em Recife fez grande sucesso. Ocorrendo naquele ano o centenário da Independência, no Rio de Janeiro, os Turunas Pernambucanos conquistaram a cidade, gravaram dois discos na Odeon, excursionaram pelo Sul do Brasil, desfazendo-se após as apresentações em Buenos Aires. Na esteira dos Turunas Pernambucanos vieram os Turunas da Mauricéia, com nomes da grandeza do bandolinista Lupércio Miranda e do cantor Augusto Calheiros, a Patativa do Norte. No mesmo estilo de seus antecessores, variados grupos de cantores e  instrumentistas impressionaram os cariocas que criaram, tempos depois, seus grupos, citando o mais conhecido – o Bando de Tamgarás, em que despontavam Noel Rosa, João de Barro, o Braguinha, Almirante e outros.

 

O Rei do Samba

José Barbosa, que ficou conhecido como Sinhô, teve seu Perfil assim descrito por Pixinguinha: “Alto, magro, feio e desdentado, Sinhô colocou a coroa em sua cabeça antes que alguém o fizesse”. Por outro lado, a crônica carioca o retratou com estas palavras: “Ele era o traço mais expressivo ligando os poetas, os artistas, a sociedade fina e culta às camadas profundas da ralé urbana. Daí a fascinação que despertava em toda gente quando levado a um salão” Considerado um dos mais talentosos compositores do samba,

Donga tornou-se pianista profissional. Foi o pioneiro na luta pelos direitos autorais. “As partituras de suas composições levavam um carimbo que as identificavam como suas, e os selos dos discos, com suas músicas, eram por ele rubricados. Revelando uma faceta muito à frente do seu tempo, pagava para que músicos, que tocavam em festas ou bailes, executassem quase exclusivamente músicas de sua autoria” Um de seus melhores amigos era José do Patrocínio Filho, conhecido no Rio da época como o boêmio Zé do Pato. Foi quem teve a ideia de fazer uma festa para coroar Sinhô como o Rei do Samba. A festa não chegou a ser realizada, mas a vaidade do compositor do título e a partir daí ele sempre se apresentou como se de fato ostentasse aquela fictícia coroa.

Nascido no Rio de Janeiro a 8 de setembro de 1888, veio a falecer vítima de uma tuberculose a 4 de agosto de 1930.

Encerrava assim para sempre o seu reinado o Sinhô do Samba. A atriz Carmen Santos produziu em 1952 o filme O Rei do Samba sobre a trajetória de sua vida.

 

A Malandragem

A malandragem remonta às rodas de capoeira, comuns na Bahia e no Rio de Janeiro, no século XIX. A diversão era a roda de batucada, a pernada carioca. Cachaça, pernadas e cabeçadas geravam confusões, prisões e proibições. Aos poucos, o malandro se aprimorou. Terno branco, chapéu panamá, navalha para garantir a integridade e a conversa era a tônica. Lábia para conquistar o sexo fraco, enganar otários e conseguir a grana para baralho e vida boa. Quando não estava fazendo samba, retomava as rodas de pernada, geralmente na Praça Onze que, no final do anos 20, era o reduto dos melhores batuqueiros cariocas. Lá podiam ser encontrados os bambas do Estácio, Favela, Mangueira, Lapa, Salgueiro e quem mais viesse. Os bons ficavam em pé, os outros caiam na primeira “banda” que levassem. Bide, cujo verdadeiro nome era Alcebíades Maia Barcelos compôs em 1927 com Armando Vieira Marçal, o samba A Malandragem: Você diz que é malandro/ Malandro você não é/Malandro é Seu Abóbora/ Que manobra com a mulher (…) Em 1928, a dupla funda no bairro carioca Estácio, o bloco carnavalesco Deixa Falar, com a parceria de Ismael Silva, Baiaco e Brancura. Dezenas de canções foram gravadas por intérpretes como Francisco Alves e Carmen Miranda. A primeira composição da dupla Agora é Cinza, vence o concurso da Prefeitura do Distrito Federal para o Carnaval de 1934.

 

A primeira Estação do Samba

Aborrecido com a discriminação que os integrantes dos demais blocos da Mangueira tinham com seu Bloco dos Arengueiros, o cantor e compositor Cartola (Agenor de Oliveira) descia as ladeiras, enquanto compunha o samba-manifesto: Chega de demanda/ Chega/ Com esse time temos que ganhar/Somos da Estação Primeira/ Salve o Morro da Mangueira. Cartola conseguiu o milagre de unir todos os Sambistas do morro em torno de uma só bandeira: fazia surgir a Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. Chegando os anos 20 ao fim, o morro estava lotado de famílias de trabalhadores que buscavam melhorias de vida.

O velho Morro dos Telégrafos começou a ser habitado pela gente humilde. Foi quando começaram a dar continuidade à criação de outros blocos carnavalescos, como Guerreiros das Montanhas, Triunfos da Mangueira, Siri com Arroz, Pérolas do Egito, todos em sintonia com os ranchos Pingo do Amor e Príncipe das Matas.Cartola (Agenor de Oliveira + Rio de Janeiro, 11-10-1908 * 1980) Chega de Demanda é o título do samba que compôs para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Deixou inesquecíveis composições no gênero samba, como: As Rosas não Falam, O Mundo é um Moinho, O Sol Nascente, Luz Negra e Rugas Negras

Continua no próximo número a série de seis reportagens.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Compart.
Twittar
Compartilhar
Compartilhar