História do samba no popular brasileiro – II

Com Bahiano nasce a profissão de cantor – O fonógrafo foi o responsável pela oportunidade de se  avaliar o talento e sua obra. O primeiro catálogo comercial de discos foi composto de 73 gravações.

 

Texto e ilustrações: Zelito Magalhães

O começo da Casa EdsonQuando em 1903o imigrante judaico Frederico Figner,  proprietário da Casa Edson, lançou o primeiro catálogo, Manuel Pedro dos Santos (o Bahiano) encabeçou a lista das primeiras 73 gravações – junto com Catete, outro intérprete popular – para ser o primeiro a gravar comercialmente no Brasil. Nascido a 5 de dezembro de 1887, em Santo Amaro da Purificação (Bahia) Manuel Pedro ganhou fama ao se tornar cançonetista com o apelido de Bahiano. Especializado em modinhas e lundus, que cantava acompanhando-se ao violão, teve, tornou-se conhecido e ganhar lugar definitivo na história da música popular brasileira. O lundu Isto É Bom, de Xisto Bahia, teve o primeiro registro na fonografia brasileira (selo Zon-O-Phone nº 10.001) gravado em apenas uma das duas faces. Depois do maior sucesso –Pelo Telefone, interpretado por Bahiano (1916)  – até meados dos anos 20, gravou outras  composições consideradas clássicas, entre as quais destacaram-se a modinha Perdão, Emília, de Eduardo das Neves; o tango de Arthur Azevedo, As Laranjas da Sabina e a toada Cabôca deCaxangá, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco. Incluem-se na sua relação de sucessos os sambas Chora, Chora, Choradô,Descascando o Pessoal, Urubu Malandro  e A Viola está Magoada.No final da carreira, grava o   lamento autobiográfico  Quem Eu Sou/ Um baiano atirado/ Nessas vagas soberbas do mar/ Já sem leme, bem perto da rocha/ Desse abismo que vai me tragar…Bahiano vivera no Rio até sua morte em 15 de julho de 1944.

O primeiro bloco de carnaval

Dando um salto na história, o samba daria novo impulso, voltando a florescer no carnaval de 1918.Naquele ano, fundava-se  o bloco Cordão da Bola Preta, fundado a 13 de dezembro, pelos carnavalescos Álvaro Gomes de Oliveira, (Kveirinha) Francisco Brício Filho, Eugênio Ferreira, João Torres. Arquimedes Guimarães e os irmãos Oliveira Roxo, Jair e Joel. No ano de 1935, o clube criou a letra do hino que somente em 1962 foi  oficializado. Começava com esta estrofe:

Quem não chora, não mama

Segura, meu bem, a chupeta

Lugar quente é na cama

Ou então, no Bola Preta

O Cordão Bola Preta teve, dentre outros, os seguintes registros: realiza no carnaval de 1919 o primeiro baile e o primeiro cortejo, na Rua do Passeio(Rio);Vicente Paiva e Nelson Barbosa compõem em 1935 a letra “Quem não chora não mama”que vira o hino oficial do Bola. No mesmo ano, cria o posto de Rainha Moma (homens travestidos); inaugura a sede própria, na Rua 13 de Maio e recebe o título de Utilidade Pública;Maura Possas é eleita (1961) a primeira Rainha Moma; recebe em 2004 a medalha da Ordem do Mérito Cultura concedida pelo Ministério da Cultura; Realiza em 2005 o mais longo desfile da história  carnavalesca, que durou das 9h às 16 horas.

Em 11 de abril de 1926 foi registrado o documento que oficializava o Conjunto Carnavalesco Escola de Samba de Oswaldo Cruz, constituído por Paulo da Portela, Antônio da Silva Caetano, Antônio Rufino dos Reis, Álvaro Sales, José da Costa, Galdino, Claudionor, Manoel Bam-Bam-Bam Gonçalves, Antônio Portugal,Cláudio Bernardo da Costa, Angelino Poró Vieira e Candinho, dentre outros. A Escola ainda dava passos nada largos.  Instalada no 412km da Estrada do Portela, não tendo como pagar os aluguéis ao comerciante português Sérgio Hermógenes Alves, considerado pelos veteranos o verdadeiro patrono da Escola. Gostava tanto do pessoal que “se esquecia” de cobrar , ou então se limitava a receber em serviços: um voluntário da agremiação, postado à sua porta do seu armazém, batia bumbo  chamando a freguesia.

Torneio de Escolas de Samba

No ano de 1932, o jornal “Mundo Esportivo”, dirigido pelo jornalista Mário Filho, organiza na Praça XI o primeiro torneio de escolas de samba. Cerca de Sagrou-se campeão o samba-enredo-enredo Na Floresta, dos compositores Carlos Cachaça e Cartola.Começava com estes versos:                                  Na floresta

Dei-te um ninho

E mostrei o bom caminho

Quando a mulher não tem brio

Dizem que

É malhar em ferro frio

“Na Praça Onze – comentou a imprensa na época – ouviremos sambas que nunca  nos chegaram aos ouvidos e que têm, portanto, toda a formidável sedução magica de uma primeira audição”.         No carnaval de 1933, a composição O Mundo do Samba, de Nelson de Moraes e interpretado por Alceu Maranhão, ganhou o primeiro lugar, entre outras,nojulgamento da crônica carnavalesca. Numa homenagem ao bloco Unidos da Tijuca, a composição tinha a seguinte letra:                                                                                  Somos Unidos da Tijuca

E cantamos o samba brasileiro

Cantamos com harmonia e alegria

O samba nascido no terreiro

Grandes autores/intérpretes do Samba

O Samba é um dos maiores representantes da cultura brasileira. Tem em sua trajetória grandes compositores e intérpretes que cantaram e cantam as mais belas e antológicas páginas da MPB.

Noel Rosa (Noel de Medeiros Rosa) O poeta letrista deixou mais de 200 composições para a história da nossa música, isso em uma trajetória de vida que terminou aos 26 anos. Boêmio de acentuada inspiração poética, deixou quase 200 músicas de crítica social. Foi um dos responsáveis pela popularidade do Samba na cidade por meio do rádio. Entre os seus muitos sucessos, destacam-se Palpite Infeliz, Com que Roupa e Conversa de Botequim. 

                     

Assis Valente(José de Assis Valente) nasceu em Patiola (Bahia) em 19 de março de 1911. Nos anos 20, desembarcou no Rio de Janeiro, onde foi trabalhar como auxiliar de protético. Em 1932 ele conheceu Heitor do Prazeres, um de seus maiores incentivadores; no mesmo ano, ele conhece sua maior intérprete, Carmen Miranda, que grava Etc. Good Bye Boy e Camisa Listrada(Vestiuuma camisa listra e saiu por aí/ Em vez de tomar chá com torrada, ele bebeu parati/ Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão…) Cai, Cai, Balãofoi gravado por Francisco Alves e Aurora Miranda. Brasil Pandeiro, um dos maioressucessos do compositor, foi gravado em 1940 pelo conjunto Bando da Lua(por recusa de Carmen Miranda) e regravado pelo Anjos do Inferno.Entrando em depressão, morre envenenado no dia 6 de março de 1958, em um banco da praia do Russel,  ao ingerir cianeto com guaraná em um banco na praia do Russel.

Cartola(Agenor de Oliveira) – Nasceu no Rio de Janeiro, bairro do Catete, em 11 de outubro de l908. Mudando-se com os pais para o morro da Mangueira, a muito custo concluiu o curso primário.  Começa a  sua vida boêmio aos 14 anos. Foi ajudante de pedreiro e para não sujar os cabelos com cimento, passou a usar chapéu-coco e por isso foi chamado de Cartola. No ano de 1932,         Carmen Miranda gravada de sua autoria Tenho Um Novo AmorCom um grupo de amigos sambistas, criou o Bloco dos Arengueiros, cujo núcleo fundou a Estação Primeira. Compôs para a escola o primeiro samba – Chega de Demanda. No ano de 1936, com a parceria de Carlos Cachaça, produziu Não QueroMais, que mereceu o prêmio de carnaval:                                                                            Não queromais amar ninguém

Não fui feliz

O destino não quis

O meu primeiro amor

Morreu como uma flor

Ainda em botão

Deixando os espinhos

Que dilaceraram

Meu coração

Figura carismática e das mais talentosas, segundo a crítica, gostava das coisas simples da vida: fumar, beber, música e mulheres. Autor de outros clássicos como Alvorada, As Rosas Não FalameO Mundo é um Moinho.         

Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho) – Nasceu no Rio de Janeiro em 23 de abril de 1897. Instrumentista, compôs  aos 13 anos Lata de Leite. Filho de flautista, foi encaminhado para aulas de música. Em 1911, ingressa na orquestra do rancho carnavalesco Filhos da Jardineira, onde conhece Donga e João da Baiana. No ano de 1917, gravou  o primeiro disco com as composições Rosa,Sofrese Carinhoso, que lhe deu fama. Foi convidado com Donga par formar pequena orquestra que tocaria na sala de espera do cine Palais. Formou o grupo Oito Batutas: Pixinguinha (flauta) Donga e Raul Palmeri (violão) Nelson Alves (cavaquinho)  Jacob Palmeri e Luis de Oliveira (bandola e reco-reco), China (irmão de Pixinguinha) canto e piano e Jose Alves de Lima (bandolim e ganzá). O grupo chegou a apresentar-se em Paris. Pixinguinha morreu em 17 de fevereiro de 1973, no Rio de Janeiro

Adoniran Barbosa(João Rubinato)- Descendente de pais italianos, nasceu em Valinhos (SP) no dia 6 de agosto de 1910. Ainda jovem, tornou-se compositor, humorista e ator. Dentre as composições, Saudosa Maloca(1951)Samba do Arnesto (1953) Tiro ao Álvaro (1960) Trem das Onze (1964) e Iracema (1956) Malandro no bom sentido, trabalho no rádio como humorista, além de cantor e compositor. Também fez trabalhos no cinema, como: Caídos do Céu (1946)  O Cangaceiro (1953) A Carrocinha (1955) A Pensão de D. Stela (1956) dentre outros. Sua vida era um retrato fiel de construção e modernização da capital paulista.  Faleceu no dia 23 de novembro de 1982

Dorival Caymmi – Nasceu em Salvador (Ba) em 30 de abril de 1914. Ninguém contou tão bem as maravilhas da Bahia como ele, que retratou personagens do cotidiano com muita em seus sambas originais e envolventes. Suas músicas prestigiaram Carmen Miranda e conquistaram até os personagens da Disney. Dentre elas, Requebra Que Eu Dou Um Doce, A Vizinha do lado. Uma beleza de carnaval foi o samba  Maracangalha, gravação de 1956:

Eu vou pra Maracangalha, eu vou

Eu vou de uniforme branco, eu vou

Eu vou de chapéu de palha, eu vou

Eu vou convidar Anália, eu vou…

Se Anália não quiser ir, eu vou só

Caymmi  faleceu no Rio de Janeiro em 16 de agosto de 2008.

Ary Barroso (Ary Evangelista de Resende Barroso) – Nasceu em Ubá (MG) no dia 7 de novembro de 1903. Foi o responsável por uma das músicas mais conhecidas no Brasil e em outros países – Aquarela Brasileira. “Também teve uma  íntima história com o rádio, além de ter revolucionado a maneira de se narrar futebol”, comentam os especialistas no assunto. Foi o compositor brasileiro a produzir  um álbum com o maior número de sambas canções. Dentre tantas, as mais conhecidas: Tabuleiro da Baiana (1937)  Na Baixa do Sapateiro (1938) Aquarela do Brasil (1939) Os Quindins de Iaiá (1940) No Rancho Fundo, Terra Seca (1943) Risquee Folha Morta(1952). Considera-se  Aquarela do Brasil a mais poética e mais representativa  das suas criações para o mundo musical:

Brasil, meu Brasil brasileiro

Meu mulato inzoneiro

Vou cantar-te nos meus versos.

O Brasil, samba que dá

Bamboleio, que faz gingar

O Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor

Ary Barroso faleceu no Rio de Janeiro, num domingo de carnaval, em 9 de fevereiro de 1964.

Ataulfo Alves de Sousa nasceu em Miraí (RJ) em 2 de maio de 1909. Foi compositor e cantor de samba, um dos sete filhos do violeiro, acordeonista e repentista da Zona da Mata chamado “Capitão” Severino. Foi carregador de malas, leiteiro, engraxate, marceneiro e lavrador, ao mesmo tempo em que frequentava a escola. Aos dezoito anos, fixou residência na capital, acompanhando um médico para quem trabalhava como ajudante de farmácia. Aos dezoito anos tocava violão, cavaquinho e bandolim; aos vinte anos começou a compor e tornou-se diretor de harmonia do Fale Quem Quiser, bloco organizado pelo pessoal do bairro. Sua primeira composição lançada em disco foi o samba Sexta-feira, lançado em 1933pelo Almirante. Depois, Carmen Miranda gravou Tempo perdido. Em 1958 apareceu no filme Meus Amores no Rio. Sua musicografia ultrapassa 320 canções, sendo as de maior sucesso: Ai, que Saudade da Amélia(1942) com Mário Lago, Atire a Primeira Pedra (1944) Mulata Assanhada (1956) Laranja Madura (1966) No ano de 1959 criou o conjunto Ataulfo Alves e suas Pastoras cujas músicas gravou para álbuns de vinil. Ataulfo Alves faleceu em 20 de abril de 1969.

Orestes Barbosa – Nasceu no Rio de Janeiro em 7 de maio de 1893. Aluno do Liceu de Artes e Ofícios, aprendeu a profissão de revisor de provas. Em 1907, Orestes compôs os primeiros versos, época em que também começou como revisor do jornal O Século, dirigido por Rui Barbosa. Como jornalista, trabalhou em vários jornais cariocas, como Diário de Notícias, O Imparcial, A Folha, A Crítica, A Manhã, Gazeta e A Notícia. Em meados da década de 20, inaugurou uma das primeiras colunas radiofônicas no jornal A Manhã. Em 1934 conheceu Sílvio Caldas e juntos fizeram Serenata, que o Caboclinho Querido gravou em seguida. Depois vieram Quase que Eu Disse, Santa dos Meus Amores, Torturante Ironia, Suburbana, A Única Rima, Arranha-Ceu e Chão de Estrelas. Orestes Barbosa ainda foi destaque compondo letras para  sambas de outros parceiros. Com Ataulfo Alves, fez  O NegroO  Café, e com Custódio Mesquita, o samba-choro Flauta, Cavaquinho e Violão. Wilson Batista tornou-se seu parceiro emCabelo Branco, samba gravado por Carlos Galhardo em 1946, e em Abigail, lançado por Orlando Silvaem 1947. Chão de Estrelas, gravado em 1937, foi um de seus maiores sucessos:

Minha vida

Era um palco iluminado

Eu vivia vestido de doirado

Palhaço das perdidas ilusões

Cheio dos guizos falsos da alegria

Andei cantando a minha fantasia

Entre as palmas febris dos corações…

Denominado de “O cronista do Samba”,

Orestes Barbosamorreu em 15 de agosto de 1966.

 

Pedro Caetano (Pedro Valdo Caetano)     nasceu em Bananal, Rio e Janeiro, em 1 de fevereiro de 1911.Compositor, sambista e comerciante. Em 1942, fez o primeiro samba Botões de Laranjeira, gravadopor  Ciro Monteiro; em seguida, veio: Maria Madalena – Maria Madalena dos Anzóis Pereira/Teu beijo tem aroma de botão de laranjeira. Em 1948, veio o maior sucesso de carnaval – É com esse que eu vou, gravado pelos Quatro Ases e Um Coringa:                                                                                                                                                                                     .

É com esseque eu vou

Sambar até cair no chão

É com esse que eu vou

Desabafar a multidão

Se ninguém se animar

Eu vou quebrar meu tamborim

Mas se a turma gostar

Vai ser pra mim.

Quero ver o ronca, ronca da cuíca

Gente pobre, gente rica                               Deputado, senador (…)                              Pedro Caetana faleceu em 27 de julho de 1992, aos 91 anos

David Nasser nasceu na cidade de Jaú, interior de São Paulo,a 1º de janeiro de 1917, filho dos árabes Alexandre Nasser e Zakiha Nasser, de origem libanesa. Em 1933, já casado, iniciou-se nas atividades jornalísticas, como repórter de O Jornal, de Assis Chateaubriand. Dois anos depois, escreveu sua primeira letras para o samba Chorei Quando o Dia Clareou, em parceria com Nelson Teixeira, que foi gravado por Aracy de Almeida. A carreira do compositor  ganhou importância nos anos seguintes, quando Nasser passou a frequentar as noites cariocas, como plantonista do jornal O Globo. Em seguida, veio o samba-exaltação – Canta, Brasil, feito com Alcyr Pires Vermelho. Considerado um clássico da música brasileira foi Nega do Cabelo Duro, que compôs com Rubens Soares e gravado em 1942 pelo Anjos do Inferno:

Nega do cabelo duro

Qual é o pente que te penteia?

Qual é o pente que te penteia?

Teu cabelo é de sereia

E a pergunta sai da gente

Qual é o pente que te penteia

Quando tu entra na roda

Teu cabelo bamboleia…

Entre os principais parceiros de David Nasser, estavam Alcyr Pires, Custódia Mesquita, Nelson Gonçalves. O compositor ainda marcaria presença com Hoje Quem Paga Sou Eue Carlos Gardel, ambos em parceria com Herivelto Martins, gravados em 1955 por Nelson Gonçalves. Como escritor, publicou vários livros, como A Vida Trepidante de Carmen Miranda eChico Viola. O compositor morreu em 10 de dezembro de 1980.

No próximo número a III parte

 

 

 

 

 

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